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sábado, 29 de maio de 2010

Estados da Alma - 2

Entrei no último ano, da primeira década dos “entas”, a caminho do meio século.
Sem saber porquê, esta primeira semana tem sido de melancolia, e não é o avançar da idade que me apavora.
Apeteceu-me contemplar o mar cá do alto, e por isso vim até Sines.
Gosto deste meu apartamento.
Hoje, estranhamente, reparei que tendo a mesma área do meu outro apartamento em Vila Nova De Santo André, me pareceu tão grande, de vazio que está.
O de Santo André começa-me a parecer pequeno, de tão cheio que está.
Aqui, em Sines, quis tudo reduzido ao indispensável, importante é só mesmo as janelas abertas para o mar, a minha varanda, e … a minha cadeira dos sonhos, uma simples cadeira de madeira.
Na minha varanda, num oitavo andar, virada para o mar, por vezes, deixo-me ficar horas esquecidas, a sonhar, a olhar o mar.
Um pequeno luxo a que ainda me posso permitir, e não dispenso, sem ligar a nada, sem tão pouco sentir grandes saudades de certos momentos da minha vida e de certos momentos de pessoas que pela minha vida já passaram.
Verdade que por vezes até penso no que já tive, no que poderia ter tido, no que me passou ao lado. Agora, quero pensar no que posso fazer para melhorar a minha vida, para voltar a viver.
Quero interrogar-me em silêncio do que há de errado comigo.
Já fiz muita merda na vida, com a consciência plena de que me estava a arruinar, corri riscos, já andei muita vez em completo desequilíbrio, no fio da navalha.
Mas não ligava.
Sempre soube, e como o povo tão bem afirma, uma imagem vale mais que mil palavras.
Hoje em dia, é a imagem, e seja em que campo for, profissional, pessoal, prioritária para nos ajudar a alcançar sucesso, e só temos uma ocasião para causar boa impressão. Goste-se ou não, vivemos em sociedade, e estamos constantemente a ser avaliados pela nossa aparência e pela forma como nos comportamos.
As pessoas facilmente podem duvidar do que se fala, mas piamente acreditam no que vêm fazer. Levam muito tempo para esquecer, ou não esquecem nunca.
Admito que até agora, não tive muitos cuidados com a imagem. Cheguei a esquecê-los mesmo. Por vezes, sou muito impulsivo, quando penso já agi. São acções que me vêm do fundo, de uma espécie de desordem emocional. De algumas situações vividas, fiquei com remorsos, uma há mesmo, com vergonha, e dela não me lembro completamente, como realmente sucedeu. Como diria um conhecido meu amigo alentejano das Relvas, a propósito de um sujeito que viu a dançar:
“Dança com tanta bailhação, que até já lambeu o chão”.
Sei a necessidade imperiosa de dar mais atenção à imagem, e não é por uma questão de auto estima. Quero acreditar, que ao virar esta curva do meio século, o que se perde em juventude, se ganha em maturidade, e me obrigará decerto, a olhar mais para mim e aproveitar melhor a vida, vida que anda numa fase muito complicada.
Por razões vividas, “programei-me” para não me apaixonar nunca mais, porque não me queria magoar mais, nem sofrer.
Construí uma muralha, que julgava inexpugnável.
Quase sempre na vida há um evento responsável pelo facto de pararmos de progredir, seja um trauma, uma derrota especialmente amarga ou uma desilusão amorosa. Faz mesmo com que nos acovardemos e não sigamos em frente. Leva-nos a um banal acomodar de vida.
Foi para me livrar de um determinado acomodar, vivido nos meus tempos de estudante, no Externato de Nossa Senhora do Incenso, em Penamacor, que me levou mesmo ao total alheamento pelos estudos, que concorri para me alistar na Força Aérea Portuguesa, com dezasseis anos, a idade exigida era, mais de dezassete anos de idade, na altura da realização dos exames psicotécnicos, com a esperança, de só ser chamado depois de fazer anos, e que felizmente aconteceu seis dias depois.
Assim, prestadas as provas, e superadas, ingressei na Força Aérea Portuguesa como voluntário, em vinte de Junho de 1978, para iniciar a recruta.
Uma recruta sofrida, feita todos os dias debaixo de calores abrasadores, até Jurar Bandeira em trinta e um de Agosto desse mesmo ano.
De Setembro de 1978, até à primeira quinzena de Julho de 1979, foi período de formação.
Foi nesta altura que comecei a conhecer o bas fond de Lisboa, e os arredores.
Junto com um camarada de recruta e curso, natural de uma aldeia a uns vinte quilómetros de Penamacor, mas a viver desde tenra idade na zona da linha de Cascais, cedo soubemos que nos era permitido meter durante a semana, umas dispensas, e viajar no autocarro da Força Aérea, no serviço de carreira, da Base até Lisboa e vice versa. Parava na Praça do Chile.
Com a justificação que ia visitar, jantar com os seus pais, e eu como convidado, duas ou três vezes por semana, lá fazíamos o caminho.
Na Praça do Chile, e já fora do olhar dos restantes passageiros, todos militares, vestido um casaquinho de malha, sobre a farda de saída, azulinha, iniciávamos então o passeio a pé até ao Cais do Sodré, porque em verdade, na altura, o dinheiro não abundava, havia que poupar nos transportes, para sobrar para mais umas sempre desejadas fresquinhas bjecas, e embarcávamos no comboio, pagávamos por ser militares, somente vinte e cinco por cento do valor total do bilhete, rumo ao destino eleito, invariavelmente entre Oeiras e Cascais
Tal como eu, embora mais velho, ingressou quase no limite de idade permitido, o meu amigo frequentava o 2º ano do curso complementar dos liceus.
Entre os “vivants” da linha, e ex-colegas de liceu, era o meu amigo mais conhecido que o Bispo de Beja, amigas e amigos eram ás resmas, e cá com uma pedalada… sempre danadinho a organizar uma das celebérrimas e badaladas festas, encontros de garagem, a que chamava de bailes. Com muitos abusos de todo o tipo e poucas regras.
Foi brutal o choque inicial.
Bailes na minha terra, faziam-se alguns por ano, lá lhe enumerava os que me recordava: Carnaval, Pinhata, Páscoa, S. António, S. João, S. Pedro, bailaricos de verão com muitos emigrantes, Madeiro, e Finalistas.
Bailes mais privados, recordo dois ou três, inocentes convívios de miúdas e miúdos da rua, Rua de Carros, na casa do homem que tocava realejo, no espaço comum, cozinha e sala de jantar, ao som de uns discos rodados naquelas já hoje relíquias de museu, “Silvano, Three in one”, propriedade de uma prima que vivia em Lisboa, mas, sempre sob olhares atentos, perturbadores, de mães, pais, vizinhos, que até os passos mais afoitos incomodavam.
Dizia-me o meu amigo, Penamacor é uma terra bonita, mas fica lá detrás do sol-posto, no meio dos barrocos. Com a mesma música, por aqui a dança é diferente.
Rapidamente compreendi o significado de tais palavras, apesar de só ter dezassete anos.
Findos os encontros, (quando não os havia, vagueávamos só pelos locais mais “duros” da noite lisboeta), o regresso. Comboio até ao Cais do Sodré, e novamente um passeio pedestre, não para a Praça do Chile, mas para o aeroporto, para o bar do 1º andar, onde pela madrugada começavam a chegar os elementos das tripulações dos aviões. As beldades, hospedeiras, hoje assistentes de bordo, que por lá vimos.
Era beleza a mais por metro quadrado.
Ali, naquele antigo edifício do aeroporto, na zona dos embarques, na varanda virada para a pista, tomávamos o pequeno-almoço, a ver os aviões, uns a levantar voo, outros a aterrar.
Ali, cresceu em mim o desejo de assim que possível, voar num daqueles gigantes pássaros de lata. Na base aérea da Ota, apenas via aviões de pequeno porte: Cessnas, gostava do puxa-empurra, Fiats, Chipmunks, Aviocars, o “grande” Hércules C130, e os helicópteros Alouette I e III.
Seguia-se mais uma pequena caminhada a pé, até ás antigas portagens da A1, em Sacavém, para apanharmos o autocarro de regresso à base. Sentados na coxia, embalávamos num confortante repouso até chegar. Da paragem do autocarro até ás camaratas, era andar em passo acelerado. Tempo apenas para passar uma “aguinha” ao de leve pelo rosto, pegar nos manuais de formação, e lá seguíamos, em ordem unida, para o centro de instrução. Dias houve, em que me apetecia por uns espeques a segurar as pestanas, para que se não fechassem.
Noites de dureza, dias de sofrimento.
Depois da especialidade concluída, por primeira opção de escolha de colocação, fiquei no honroso “top ten” dos melhores classificados do meu curso, escolhi a Base Aérea nº 4, nas Lajes, na Ilha Terceira, nos Arquipélago dos Açores.
Realizava então o sonho tantas vezes tido, naquela varanda, no velho edifício do aeroporto:
Voar de avião pela primeira vez, no Hércules C 130, e conhecer outros lugares do Mundo.
Chego aos Açores, à ilha Terceira, ás Lajes, em 13 de Julho de 1979, com a pujante idade de dezoito anos.
A idade em que até se rebentam barrocos, e nada mete medo.
Do tempo passado, da vida vivida, na base portuguesa e na base americana, (de outra galáxia) nas Lajes, nem me atrevo recordar. Choraria com a saudade dos … “estados das sentinelas graníticas”.
Meu Deus!!!
Há vezes em que penso, que já vivi algures num paraíso…
Desde esses tempos passados nos Açores, até agora, sempre o mesmo tipo de vida, almoçaradas, jantaradas, petiscadas, noitadas, gajas, etc, um frenesim de vida em que me preocupei muito mais em dar vida aos anos, do que anos à vida. Foram de auge agravado, de vícios, sexo sobretudo, os anos vividos, a seguir ao acidente que tive de mota. Nunca fui rico, não quis sê-lo, sempre preferi essencialmente ser livre, mas um confortável desafogo económico permitiu-me essas “ lascívias brincadeiras”.
Gozei, é verdade. Afinal era fácil de contentar, tinha o mais simples dos gostos, contentava-me com o melhor que havia, ou, apenas o que se apanhava.
Mas há coisas com o tempo que acabam por acontecer de forma lenta, longa e totalmente inesperada.
É fácil construir uma imagem e viver com ela, difícil mesmo, é conservá-la, vivendo-a.
A minha muralha sorrateiramente foi dominada, deixa-me exposto a uma fragilidade insustentável, nem vencido nem vencedor.
Há momentos na vida em que nos deveríamos calar e deixar que o silêncio falasse ao coração. Pois há sentimentos que a linguagem não expressa e há emoções que as palavras não sabem traduzir.
Não entendo o porquê da verdade, tão complicado.
Das muitas vezes, que tenho saído com amigas e amigos, é ver qual se diverte mais, mais alto fala e mais se ri. Sei que é uma mentira, porque o mundo não anda assim tão alegre. Sei, que muitas e muitos fingem que tudo está bem, mas andam perdidos à procura da felicidade, à procura de um cantinho seguro, de um portinho de abrigo.
Várias foram as vezes que já me perguntaram, maioritariamente mulheres, se “andava com alguém” ou se estava ”amigado”.
Por vezes respondo-lhes, como sei que gostam de ouvir.
Confesso, que “amigado” é seguramente das palavras que mais detesto ouvir.
Os amigados não são meia dúzia de amigos que vivem juntos. São duas pessoas que preferem suportar-se uma à outra do que aguentar a solidão. Não vivem de amor e paixão, vivem com pantufas e «hamburguers» congelados. Não fazem declarações de amor, fazem declarações de voto para ver quem leva o lixo ao caixote.
Vivem juntos por viver, porque calhou, porque era gira ou tinha umas boas pernas, porque estava ali à mão quando se alugou, ou comprou a casa.
Foi há poucos dias, numa conhecida e bem frequentada pastelaria aqui na zona, enquanto tomava o pequeno-almoço, que ouvi duas bonitas raparigas, com um ar simpático, a conversar:
- Isto está difícil, não me aguento com a despesa da casa, vou ter de engatar um gajo para partilhar as despesas.
Engatar um gajo!!! Assim surgem os andados.
Os andados são dramáticos, porque são um sub produto. São clandestinos, envergonhados e passam a vida a esconder-se das pessoas. Quando apresentam a sua parceira de cama num cocktail, dizem: Esta é a minha amiga Maria.
Grande Amigo. Apetece bater-lhes.
Os andados não se divertem, porque andam sempre muito ocupados a mostrar a toda a gente que não têm nada com a pessoa com quem dormem. Ela faz-lhe ciúmes com os amigos dele, e, ele arregala o olho para as amigas dela. Lá andar, até andam, mas é a ver é quem engana primeiro o outro.
Pelo que me toca, já não estou em idade de ser enganado, e muito menos enganar quem quer que seja. Felizmente também, que ainda não preciso de dividir despesas. Por enquanto, gasto como quero e com quem me apetece, e por vezes com quem não o merece.
O que quero então? Francamente, tudo se baralha.
Com a minha muralha fragilizada, dou comigo na minha varanda, na minha cadeira, a olhar o mar, a sonhar, num desses sonhos felizes, onde finalmente se têm tudo o que falta.
A magia regressou. Sonho com encontros de amor.
Gosto de encontros mágicos, como mágico tem de ser o Amor.
O Amor é a única coisa que cresce à medida que se reparte. Amando, namorando.
Namorar é que é bom. É gostar às claras, contar histórias, escrever cartas, dar miminhos, suspirar, dar beijinhos no sinal encarnado, passear de mão dadas, fazer birrinhas, brincar ás escondidas nos roupeiros e dizer toda a espécie de parvoíces sem cair no ridículo. Namorar é fazer tudo sem preconceitos, nem medos. Mesmo que seja para ver uma corrida de MotoGP, num domingo à tarde, a dois, a roer pipocas, enrolados numa mantinha roubada a TAP num voo de longo curso.
O melhor de namorar, é que namorar não cansa como andar ou estar amigado. Namorar é sempre como dar o primeiro beijo, levar o pequeno-almoço à cama, dar a primeira massagem ou preparar o primeiro jantar a luz da vela. E sabe sempre a novo mesmo quando já se tem quase meio século.
Sonho que, o tempo não tem de se arrastar como se estivesse apenas a gastá-lo sem o partilhar com outra pessoa, sentir a felicidade de o partilhar com alguém que ame, que me ame.
Sonho, que não quero ficar o resto da vida sozinho, com medo da solidão.
Sonho, que já não é preciso fingir que está tudo bem.
Sonho que para ser feliz, basta que me dêem a liberdade de ser sincero, a sinceridade é primordial, amar e ser fiel ao mesmo tempo.
Mas sonho é sonhar, a realidade é bem diferente.
Aqui, já em Santo André, ao passar todos estes pensamentos sonhados para o computador, olho para o meu sofá verde, verde da cor da esperança, local onde algumas vezes sem sonhar deixo o pensamento voar, em voos mais reais, quero aceitar com a maior honestidade e coragem, porque apenas não me quero enganar, sabendo contudo que ninguém é perfeito, que com esta vida de boémio, e uma imagem tão desleixada, não mereço aquela Diva, que tanto me faz sonhar, que me faz sentir tão próximo do Céu, com os pés assentes na terra, e, com um olhar, uma chama no olhar, que me queima o coração.
Mas, naquele sofá verde, também já tive um sonho, um sonho verde…
Que ainda aqui mora a esperança dos dias que hão de vir.
Até lá, ou até morrer, saberei viver, a sofrer, mas a sorrir.
Zé Morgas

Aprendi que não posso exigir o amor de ninguém. Posso, apenas, dar boas razões para que gostem de mim e ter paciência para que a vida faça o resto. (William Shakespeare).

4 comentários:

  1. De todos os teus textos que já li devo colocar este em primeiro lugar: bem estruturado, a deixar o coração falar, quase uma "confissão, nele encontrando conceitos e maneiras de encarar a vida que me encantaram.
    Gostei e vou relê-lo.
    Parabéns.
    Obrigado.
    Abraça-te o teu Amigo e velho
    professor.

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  2. Tu escreves com uma alma que até dói, Zé. Se começas a meter um bocadinho de ficção e a aprimorares a construção frásica, sujeitas-te a um prémio qualquer.

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  3. Zé,se fosse gaja atrevia-me a pedir-te em namoro.És de uma profundeza de Alma que nos fascina.Vives a Vida a correr,mas podes fazê-lo ao contrário de muitos de nós.
    Depreendo que te sentes a envelhecer,mas meu amigo,continua a encher a rapaziada de alegria.
    Já agora,antes de morreres vem a Matosinhos!
    Aquele abraço do:

    Matos Martins

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  4. realmente Morgas ninguém escreve como tu, gostava que um dia escrevesses acerca do que pensas de mim e me enviasses por email. ès único. milhões de beijos com saudades

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