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terça-feira, 20 de agosto de 2013

VI Encontro Antigos Alunos ENSI


Prometi a mim mesmo, com todos os sacrifícios que isso me acarretaria, que estaria presente no VI convívio dos Antigos Alunos do Externato de Nossa Senhora do Incenso.
Foi há trinta e cinco anos que abandonei o Externato de Nossa Senhora do Incenso para ingressar na Força Aérea Portuguesa.
Entrei pela primeira vez naquela casa em outubro de 1971, algo tímido e acanhado, num ambiente completamente novo e complexo para o meu imaginário de jovem com dez anos de idade.
Sai em em final de novembro desse ano para a recente inaugurada Escola Preparatória Ribeiro Sanches, onde completei o 1º e o 2º ano do ciclo preparatório.
Regressei ao ENSI em 1973 para frequentar o 1º ano do curso liceal, vulgo o 3º ano, e por ali me mantive até 1978, ano em que frequentei o 2º ano do curso complementar, antigo sétimo ano.
Os anos foram correndo com naturalidade e ali aprendi as bases e os princípios de tudo o que sei hoje, tive a sorte de encontrar professores e pessoas que me souberam colocar obstáculos, difíceis mas saudáveis e que sempre me souberam impulsionar para diante, nunca faltando uma forte relação de companheirismo e compromisso.
Neste momento e mais do que nunca, agradeço todos os conhecimentos que me transmitiram naquele colégio, valorizo as amizades ali criadas e as saudades de alguns episódios passados.
- 0 25 de abril de 1974.
Foi numa quinta-feira e lembro-me bem desse dia e das viagens que fiz nos intervalos das aulas com o Tó Luís Abreu até junto do depósito da água para ouvir alguma noticia no meu rádio transístor de bolso, encostava o aparelho ao cabo de descarga do para raios para potenciar o efeito de antena, um Sanyo que me havia ofertado uma prima minha que estava em França, dois anos antes.
Com apenas 12 anos de idade, andava no 3º ano do colégio, rebelde, com um rádio de bolso só meu para ouvir o que bem me apetecesse, (em casa, ouvia o que o velhote habitualmente ouvia,  a Rádio Altitude, num rádio Luxor a válvulas, já o herdei, é uma relíquia de colecção) claro que a oferta de estações emissoras eram poucas e o sinal débil, mas mesmo assim facilmente me viciei a ouvir o meu transístor, com o auricular branco enfiado no ouvido, por regra até à uma da matina. Aquele hábito ainda me causou alguns pequenos dissabores, o rádio “papava” pilhas à bruta e de quando em vez, lá tinha de surripiar umas moedinhas em casa, para ir comprar pilhas novas na mercearia do Pouca Tripa.
As emissoras com melhor sinal captadas no meu transístor eram a Emissora Nacional, o Rádio Clube Português e a Rádio Renascença.
Nessa noite de 25 de Abril de 1974 ouvia a Rádio Renascença, ouvi uma música que nunca tinha ouvido e confesso até que não conhecia, soube depois que era uma musica de passagem proibida, “Grândola Vila Morena” de Zeca Afonso, por volta da meia noite e vinte, sem jamais suspeitar que era a senha para o inicio da revolução dos cravos.
Foi um homem de Penamacor, Joaquim Furtado, o pai da Catarina, o locutor que, na madrugada do dia 25 de Abril de 1974, leu o primeiro comunicado do Movimento das Forças Armadas, no Rádio Clube Português.
Por causa desse vai vem para ouvir as notícias da revolução o meu amigo Tó Luís ficou com o bichinho da rádio, e um tempo depois, num dia de derby Benfica Sporting massacrou-me tanto o juízo para que lhe alugasse por cinquenta paus o transístor durante um mês.
Dias depois o rádio deixou de funcionar. Adormeceu com o auricular enfiado na orelha e num movimento jogou o rádio ao chão. Eu, do “carcanhol” nem cheiro.
Esse rádio ainda serviu para o João “forneiro” fazer umas experiências sem contudo voltar a funcionar. Comprou um daqueles cursos de electronica por correspondência com francos franceses, mas na altura a paixão pelo jogo do monopólio era superior. Adeus transístor.
- Aquela escadaria...
Aquelas escadas... as vezes que as desci de bicicleta.
Depois de umas voltinhas no átrio do colégio, o gozo que me dava chatear a Dª Augusta, tocando a sineta que estava à esquerda da porta de entrada na secretaria, pendurada num suporte de parede e quase rente ao tecto, e raspar-me à velocidade da luz, escadaria abaixo.
Uma vez, com a ajuda dos meus amigos das motas, os "Bandidos do Vale de Lobo", numa inocente brincadeira, levámos para o átrio a minha motorizada Flandria, para melodiar os tímpanos das funcionárias da secretaria com a sinfonia do ronco de um motor a dois tempos.

Só que correu mal.
O Engº. António Ressureição avisou o meu pai do sucedido, e ele esquecendo-se dos meus direitos aos abusos próprios dos moços jovens, não se fez rogado e vai daí, num claro acto de desvairo fui vítima de violência infantil:
Levei umas "cinturadas/fiveladas" nas nalgas que me marcaram e doeram c`mo diabo.
Porra! Puto sofre!
Mas há mais.
Aquelas escadas foram também responsáveis por muitas noites de insónias.
Todo o homem sabe que a Mulher é incomensuravelmente bela e há ângulos de vista que a não favorecem, que aos olhos do Homem são potenciadores do desassossego. Quero lá saber se os vestidos ou as saias curtas em uso à época exibidos/as na varanda, eram fruto da moda “mini-“, da carestia dos tecidos que levavam as mamãs a comprar menos uma quarta, ou até mesmo a escassez de matéria prima na Loja do Ramos, sempre descuidado com a reposição de alguns stocks, a verdade é que aquelas visões ao subir as escadas, de olhar inclinado de baixo para cima, recordadas ao fechar das pestanas, obrigavam a noites de árduo trabalho, arraigados ao colchão, a “contar caibros”, de fio a pavio, à esquerda, à direita… um duro preparar trabalho para a serração do Rocha.
- A pior nota que tive num ponto escrito.
Lembro-me exactamente da pior nota que tive, foi a História, no 6º ano com o tenente Ribeiro.
Por razões que só eu sei, assumi nesse dia o abandono para breve do colégio, naquele momento decidi que não prosseguiria os estudos nem responderia a nada do ponto.
Disse-me o tenente Ribeiro que não deveria entregar o ponto em branco.
A 1ª questão tinha duas perguntas: quem tinha sido o inventor da máquina a vapor e quais as implicações sociais da revolução industrial em Inglaterra no século XVIII.
Para não entregar a prova em branco respondi que o inventor da máquina a vapor tinha sido James Watt. Assim aprendi, e sei hoje que não é de todo verdade. James Watt é de facto o Pai da moderna máquina a vapor, mas já os antigos gregos usavam máquinas movidas a vapor embora mais rudimentares.
Tive uma pontuação de meio valor, 0,5 V.
Contudo, no final do período tive nota positiva.
Em verdade, nunca fui um aluno muito trabalhador nem de estudar muito. Bastava-me estar um pouco mais atento nas aulas para compreender e memorizar a matéria com relativa facilidade.
De uma coisa ainda me orgulho, soube o prazer por várias vezes, de tirar “nota 20”, e ouvir rasgados elogios dos professores.
Tantos os que ouvi, envaidecido, dados pelo Engº. António Ressureição nas aulas de físico química.
E, a propósito de elogios...
Vi, revi, no convívio entre muitas caras lindas, uma antiga colega de turma e rápido me vieram à memória as inocentes palavras com as quais elogiosamente a mimoseava na altura:
- “Meu doce bem, meu queixinho de Rebeca, os teus cabelos são a minha perdição.”
Tais mimos, como castigo,  valeram-me a expulsão da turma que era mista, e o ingresso numa turma só de rapazes. Que tristeza.
Porém, para alegria dos meus olhos que ainda vêem bem, continua bela, os cabelos lindos como sempre, lisos e finos ondulando pelos ombros, o mesmo toque, o mesmo sorriso, o mesmo cheiro de pele, a mesma voz.
Voltando ao convívio...
Foi um dia bem passado, extraordinário.
Gratificante foi ver, conversar,  com quem já não via, não conversava,  há mais de 35 anos.
Parabéns aos organizadores.
A fasquia tocou no alto.
Para o ano há mais lá para os lados de Monsanto.
Tudo farei para estar presente, antes que comece a arrastar-me pelos dias que sei serem os últimos da vida, sem poder andar na minha Moto, cometer os abusos do costume e pedir a Deus que me leve.
Não quero viver sozinho entre recordações de uma vida que já passou.
Zé Morgas